Moana mantém boa forma das animações Disney


Ron Clements e John Musker, diretores de A Pequena Sereia e Aladdin, retornam ao estúdio para comandar mais uma boa animação.

Os primeiros trinta minutos de “Moana: Um Mar de Aventuras” reúnem o melhor que a Disney pode oferecer. A abertura invoca uma mitologia própria, explora os cenários, apresenta os personagens que conduzirão a trama, relaciona as lendas e tradições à trajetória pessoal da protagonista, oferece uma espiada em seus poderes, e traduz, em música, as mensagens e os perigos no coração da história. A introdução ao universo da antiga Polinésia é a representação perfeita das qualidades do estúdio, capaz de transmitir tanto e de maneira tão acessível em tão pouco tempo.

A explicação para o sucesso na empreitada, ao menos nesse primeiro momento, tem relação direta com a filmografia de seus diretores, Ron Clements e John Musker (aqui auxiliados por Don Hall e Chris Williams). A dupla, veterana na animação, conhece a fórmula que sustentou o renascimento da empresa na virada entre as décadas de 80 e 90. Foram eles os responsáveis por “A Pequena Sereia”, parte de uma série de novos clássicos que conta com “A Bela e a Fera” e “Aladdin”.

Nos últimos anos, porém, o currículo dos cineastas conta apenas com um exemplar de menor sucesso. “A Princesa e o Sapo”, lançado em 2009, não funcionou como tentativa de resgate da animação tradicional, e algo estava fora de sintonia entre a narrativa e um novo olhar para as princesas da companhia. Hoje, Clements e Musker parecem ter aprendido com os desacertos do passado e se adaptado com tranquilidade às novas tecnologias — após décadas combinando técnicas diferentes, esse é o primeiro longa dos dois inteiramente em CGI.

A evolução fica clara quando somos apresentados aos poderes de Moana (Auli’i Cravalho, em inglês, e Any Gabrielly, em português). Ainda criança, a garota se mostra capaz de se relacionar com as águas, que em troca abrem espaço para que ela caminhe pela areia mar adentro, conhecendo plantas e animais sem ser incomodada. Trata-se de um momento breve, que a personagem inicialmente não compreende nem domina, pensando ser um sonho, mas que antecipa toda sua aventura posterior.

Mais importante, a maneira como a animação cria essas interações com a água (fator-chave também para a trama) revela pleno domínio da animação. Historicamente, elementos fluidos representam um dos maiores desafios para profissionais da área, porque se comportam de modos muito específicos, possuem texturas próprias e de difícil reprodução. “Procurando Nemo” é um dos marcos mais importantes na superação desses desafios, e exemplares lançados somente nos últimos meses, como “Kubo e as Cordas Mágicas”, “Procurando Dory” e, agora, “Moana” mostram que o tempo e os animadores se encarregaram de criar diferentes meios de encarar a questão de acordo com as demandas de cada projeto.

Em outros departamentos, ainda nesse segmento inicial, o longa de Clemens e Musker opta por pegar emprestado de fontes diversas. A forma como se debruçam sobre a mitologia local usando as tatuagens de Maui remete a vários números musicais de “Hércules” (outro trabalho da dupla na Disney) e ao pesadelo de “O Príncipe do Egito” (esse, um dos melhores produtos da DreamWorks). O desenrolar da jornada de Moana, já mais adiante, lembra uma comédia de erros como “A Nova Onda do Imperador” (também da Disney), sobretudo pelo constante antagonismo entre os principais personagens, unidos pela força das circunstâncias.

Os trechos musicais são outra categoria que se beneficia da experiência dos diretores na área, em especial pela devoção de seus filmes às obras mais emblemáticas do estúdio. Como em outras animações tradicionais, “Moana” aproveita os itens dos cenários nas músicas, que desenvolvem a trama também inspiradas por elementos típicos. Uma canção sobre cocos, por exemplo, usa sons saídos do próprio fruto (e de sua árvore e entorno) para embalar uma letra sobre a importância da natureza para a sobrevivência daquela população. É isso o que motiva a protagonista a agir, em primeiro lugar.

Se parte das faixas é carregada nos vocais em consequência direta do fenômeno “Let It Go”/“Frozen” e outra tem relação com a participação de Lin-Manuel Miranda (do musical “Hamilton”) nas composições, a movimentação dos personagens durante os clipes tem uma noção de espaço própria dos musicais de teatro. Ou seja, a direção consegue manter vivas suas influências pessoais, ao mesmo tempo em que entrega o que se espera de várias produções desse porte e formato atualmente.

É justamente uma música que marca a transição mais importante do filme. O número estrelado por Dwayne Johnson (na versão brasileira, voz de Saulo Vasconcellos) é um dos melhores do longa e Maui é um personagem divertido, mas a partir do momento em que ele passa a acompanhar de vez a garota, as piadas assumem um tom mais infantil. Durante boa parte do desenvolvimento, a aposta é no humor físico (o animal de estimação inusitado, as constantes quedas no mar, a diferença de tamanho entre os personagens), e “Moana” só recupera o fôlego inicial quando se encaminha para o desfecho.

No meio do caminho, há espaço ainda para uma criatura chamada Tamatoa, que não é particularmente interessante sob qualquer aspecto. De todo modo, o filme se ocupa bem dela, explorando seu brilho em uma sequência musical e outra de ação. O verdadeiro êxito da direção só aparece em seguida, quando o monstro de lava da abertura reaparece. Sua participação é breve, mas suficiente para protagonizar um impressionante espetáculo visual e revelar a lição que pairava no ar durante toda a aventura.

Considerando tantos fatores, positivos e negativos, e levando em conta as projeções do próprio estúdio para o futuro, com continuações previstas para “Detona Ralph” e “Frozen”, talvez “Moana” não seja mesmo símbolo de uma virada na história da empresa, mas sinal de um progresso que ainda ganha forma pelas mãos de velhos conhecidos como Clements e Musker — ou não tão velhos assim, como o trio de “Zootopia”. Para que o tão celebrado encanto das produções Disney permaneça no ar, resta torcer para que os responsáveis consigam apresentar novas ideias ao mesmo tempo em que lutam para acompanhar o ritmo das inovações e as constantes mudanças nas formas de consumir entretenimento. Ao menos por enquanto, a receita continua funcionando.

Fonte: B9

Publicado em: 16/01/2017 00:00:00



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